Executivos de marketing e comunicação precisam estar prontos para esta nova demanda.
Por: Kátia Mello
No final do ano passado, a Panasonic lançou a terceira fase da campanha “Repense”. A bela apresentadora Fernanda Lima aparece numa propaganda para a TV para anunciar a primeira fábrica de linha branca ecotecnológica na América Latina, inaugurada em setembro, em Extrema, no Estado de Minas Gerais. No lugar do pinguim, uma arara azul entra pela janela e pousa na geladeira. A campanha “Repense” faz parte de uma meta global da Panasonic até 2018, ano em que se comemora o centenário da empresa japonesa: consolidar a imagem de companhia preocupada com o meio ambiente e produtos de ponta. A Panasonic almeja ser a número um em tecnologia verde.
O resultado da estratégia já foi medido pela empresa. Segundo pesquisa fechada do departamento de marketing, a Panasonic do Brasil voltou a ser apontada pelo consumidor como uma das três principais marcas de eletroeletrônicos. E ainda alcançou um crescimento de dois dígitos em vendas em relação ao ano anterior. “Foi surpreendente. O consumidor captou a mensagem e voltou a falar diretamente conosco”, afirma a diretora de marketing Renata Assis.
Ela conta que, há cerca de um ano, houve um consenso na Panasonic de que a comunicação precisava ser aprimorada e que as Eco Ideias, como eles chamam seus princípios relacionados ao meio ambiente, precisavam receber o reconhecimento de todos. “Embora fizéssemos muitos esforços, o consumidor não enxergava os benefícios de sermos ecossustentáveis”, reconhece a executiva.
A apresentadora Fernanda Lima foi escolhida a dedo não apenas por representar o público feminino jovem, mas por ser uma personalidade que demonstra ter preocupação ambiental. A arara azul do filme publicitário não era real, um cuidado para não ofender as organizações de proteção aos animais. Para elaborar a campanha, a Panasonic foi buscar na ONG Save Brazil um entendimento melhor sobre esse pássaro e sua ameaça de extinção. Deu tão certo que a empresa agora quer apoiar um projeto de apoio à preservação da arara.
O caso da Panasonic é apenas um entre milhares de empresas que estão reestabelecendo a maneira de comunicar a marca. Elas deixaram de se preocupar apenas com os quatros Os (produto, praça, preço e promoção) para se aliar a algum tipo de causa em todos os âmbitos, sejam sociais, ambientais, culturais, esportivos, comportamentais. O movimento não é recente, mas foi nesta década que ganhou força.
Para o especialista no tema e diretor da consultoria Full Jazz Comunidade, João Francisco de Carvalho Santos, as práticas que norteiam a cidadania corporativa têm evoluído de tal maneira e numa velocidade tão rápida que, uma vez absorvidas, transformam as empresas e suas marcas de maneira positiva. João Santos considera que o modelo não é transitório e, possivelmente, seja irreversível, apesar de alguns profissionais do marketing e empresários ainda resistirem a ele. “Os próprios investidores preferem boas práticas de gestão de sustentabilidade, porque a taxa de risco se torna menor neste mundo já tão imprevisível”, diz.
Nova ou velha guarda
Se por um lado o modelo avança, faltam profissionais no mercado que acompanhem este movimento para traduzi-lo melhor dentro das companhias. Santos aponta a falta de conhecimento nesta área e a escassa formação dos profissionais de marketing como um dos grandes problemas para um maior avanço. “Nossa academia precisa incorporar as causas relacionadas às marcas de forma mais prática, colocando isso em sua grade curricular. Infelizmente são poucos os casos ispiradores no Brasil”, lamenta.
Esta preparação envolve aspectos formais e informais, complementa Marco Antonio Machado, professor do CBA Marketing do Ibmec. No campo formal, além dos cursos ligados a temas relativos a sustentabilidade, é preciso que o profissional de marketing tenha bons conhecimentos de psicologia, sociologia, filosofia e história. Para ele, estas são matérias que dão visão abrangente e treinam o raciocínio para ficar alerta acerca de sofismas (falsas verdades e aparências enganosas) e paradigmas (modos fechados ou estreitos de interpretar a realidade e os fatos). “Vejo o marketing como um fenômeno social e não apenas econômico ou ligado a negócios e empresas”, pondera. Machado também aconselha a ter a mente aberta a inovação e, mais do que isso, aceitar a mudança, procurar associar-se a ela, fazendo com que se torne uma aliada.
Hiran Castelo Branco, vice-presidente de operações da ESPM, considera que as empresas precisam de “profissionais dispostos a construir com coragem o amanhã”. Eles podem ser das novas gerações ou da velha guarda. “As novas gerações têm mais chance de obter êxito, por estarem mais conectadas com os valores da economia colaborativa, poder lateral, necessidade de transparência e responsabilidade socioambiental, que são inerentes ao modelo de economia de baixo carbono para o qual temos de caminhar. A velha guarda tende a ser mais relutante, embora n´~ao seja regra geral”, analisa. Mas se, por um lado, a chamada velha guarda pode ser resistente às mudanças, sua experiência é importante no momento de fazer um mix com a equipe mais jovem.
Os mais procurados são os profissionais de administração, marketing e comunicação que vão além da formação profissional, sinaliza Yacoff Sarkovas, CEO da Edelman Significa e um dos mais respeitados consultores nesta área. Pioneiro da chamada “atitude de marca”, relata que o novo protótipo deste profissional é o engajado em ativismos sociais, culturais e ambientais, porque se encaixa nas novas demandas. Quem não está engajado em nenhuma causa e não acompanha os movimentos mundiais precisa se atualizar. E isso pode ser feito com palestras, workshops, cursos de pós-graduação e MBAs em sustentabilidade.
Marcas mais autênticas
Entre os especialistas, existe um consenso de que a Natura é um exemplo clássico de companhia brasileira que já nasceu com atitude de marca e vem se aperfeiçoando neste conceito. A Natura inclusive se nega a dizer que abraça uma causa. Para a empresa, tudo faz parte das crenças e valores da companhia estabelecidos desde seu embrião, há quatro décadas.
“A gente não gosta da palavra causa porque ela limita. Nossa atitude frente aos stakeholders, começando pelos colaboradores, faz parte das manifestações de nossos princípios, de nossa visão de mundo”, comenta Mônica Gregori, diretora de marketing e comunicação da empresa. Para ela, este não é um diferencial competitivo, mas uma forma de se fazer negócio.
Quando se pensa em uma nova linha de produtos na Natura, muitas vezes, profissionais de outras áreas, como antropólogos e sociólogos, são convidados a discutir as novas campanhas. Porém sempre se começa a debater os temas a partir das crenças da empresa. Uma delas é que “a vida é um encadeamento de relações e nada no universo existe por si só; tudo é interdependente”. Dentro dessa perspectiva surgiu, por exemplo, a Ekos, uma linha carro-chefe que nasceu com o propósito de expressar a conexão ente o homem e a natureza. “A Ekos nos ensinou a fazer uma gestão de parceria com as comunidades. Aprendemos juntos e ambas as partes fizeram tudo de uma forma muito madura”, conta Mõnica.
Em 2010 foi criado o Instituto Natura, para atuar nas políticas de sustentabilidade, com profissionais específicos dessa área. O instituto hoje tem 16 projetos, entre eles o Trilhas, de incentivo à leitura nas escolas públicas. A verba para as iniciativas do instituto vem da venda dos produtos Crer para Ver. Hoje o montante total está em R$ 12 milhões.
Para a diretora de marketing da Natura, o que estamos vivendo no Brasil é um processo de transformação das empresas e, consequentemente, de seus profissionais. “Os consumidores estão fazendo com que as marcas sejam mais autênticas, genuínas, e falem das coisas mais relevantes”, revela Mõnica.
Assim, as ações deixaram de ser pontuais, com eventos de marketing social, e hoje o campo de atuação de quem está ligado às causas se tornou mais valorizado. Prova disso é que, no ano passado, o Festival de Cannes premiou cases de cunho social como o Banco Popular de Porto Rico e o Small Business Saturday, da American Express para deixar evidente que esta é a atual tendência.
Aliás foi a própria American Express a primeira a usar, em 1983, o termo Cause Related Marketing (CRM) ou Marketing Relacionado a Causas (MRC), como uma estratégia para estabelecer parcerias entre empresas e entidades civis em que ambas as partes sejam beneficiadas. De acordo com o Guia Prático de Marketing Relacionado a Causas: Diretrizes e Causas (2007), elaborado pelo Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) e pela Charity Aids Foundation (CAF), na década de 1990, o conceito foi ampliado pela agência norte-americana Cone Inc. como “um poderoso posicionamento utilizado para fortalecer o valor da marca e potencializar a imagem corporativa, com um significativo resultado e impacto na sociedade”. O guia cita como o mais antigo programa de marketing de causa no Brasi o McDia Feliz, do Mc Donald’s, que entre 1988 e 2006 teria arrecadado R$ 63 milhões para entidades que cuidam de crianças com câncer.
Tudo às claras
A adoção de práticas de MRC não pode ser casual, transitória, como uma campanha de Natal. “É preciso haver planejamento para colocar a causa no centro da marca”, alerta João Santos, da Full Jazz Comunidade. Além disso, as empresas e todos os envolvidos, sejam os donos ou dirigentes da área de marketing, precisam ser coerentes na hora de optar por uma causa.
Ele cita como exemplo um empresário que queria construir hospitais para dar assistência às vítimas de acidente vascular cerebral (AVC), por ter perdido uma filha com esta doença. Quando sua empresa levantou um estudo sobre a questão, percebeu que esta não seria a melhor opção de causa para se engajar. Isto porque a construção de novos hospitais em nada beneficiaria as pessoas vitimadas por um AVC.
Um dos principais pontos, e certamente um dos mais difíceis na adoção de uma causa, é a transparência. Ela deve permear todos os níveis da empresa, do comportamento de seus profissionais aos mecanismos de expressão da companhia. Não basta defender princípios éticos se o papel desempenhado pelos líderes ou funcionários não seguir os princípios e as verdades da empresa. Não basta um diretor de marketing dizer que sua empresa valoriza as relações humanas e os comerciais usam estereótipos ou incitam as pessoas a mentir sobre os produtos que oferecem. Se a companhia abraçou uma causa, seus valores devem estar presentes em todos os departamentos e nas suas relações com os stakeholders, dos fornecedores ao consumidores e às comunidades em que atua.
A transparência não é só o que se comunica, mas como se comunica e como isso reflete na legitimidade da empresa. Os especialistas dizem que, caso não haja transparência, a iniciativa de se adotar uma causa pode acabar virando um tiro no pé. Por isso muitas companhias estão fazendo transformações internas antes de dar o próximo passo e assumir esse compromisso.
A operadora de telefonia Claro foi ganhadora em Cannes, no ano passado, do Ouro brasileiro em Press com uma campanha, criada pela Ogilvy, que pedia aos motoristas para não enviar torpedos enquanto dirigem. Agora, segundo a diretora de marketing da Claro, Trícia Cristilli, a empresa quer uma atuação maior nas comunidades carentes e está se preparando para lançar em abril outra campanha, envolvendo música e jovens.
Porém, justamente pelo fator transparência, o projeto só será efetivado depois que a operadora resolver uma questão anterior: oferecer um melhor serviço telefônico às comunidades onde irá atuar. Em poucas palavras, não adianta abraçar uma causa em um lugar onde a marca não é recebida de maneira apropriada. “O desafio é a entrega de um serviço de qualidade e por isso o trabalho é de formiguinha. Não adianta enganar”, declara Trícia.
Sempre conectado
A Coca-Cola, uma das precursoras dessa jornada das causas, sabe muito bem disso. “É primordial que todos os programas e ações que desenvolvemos de sustentabilidade gerem valor social e econômico para as comunidades onde atuamos. Isso está em nosso DNA”, diz Andrea Souza Silva, gerente de comunicação externa e sustentabilidade da Coca-Cola Femsa Brasil.
A empresa se empenha em entender o perfil das pessoas que estão em torno das operações da marca para compreender quais ações atendem melhor às suas necessidades, garante a executiva. Desse modo, fica mais fácil impactá-las positivamente e, assim, fazer com que aceitem a ação. Na Coca-Cola, as questões sociais e de sustentabilidade não estão sob o guarda-chuva do marketing, mas sob a batuta da área de sustentabilidade. “O desafio é encontrar boas oportunidades dentro do segmento de ação da companhia”, diz Andrea.
Entre as campanhas sustentáveis da Coca-Cola está “Cada garrafa tem uma história” que conta como os programas apoiados pela empresa podem transformar vidas. “A campanha foi concebida de forma diferente de tudo o que já fizemos. Sem roteiro pré-definido, convidamos o cineasta Breno Silveira para vivenciar nossas iniciativas. Ele descobriu pessoas incríveis que fazem diferença positiva em suas comunidades”, conta a gerente.
A campanha foi veiculada em toda a América Latina. Entre os protagonistas está o líder do movimento de catadores de lixo Tião Santos, que também faz parte de outros programas da Coca-Cola, como Reciclou Ganhou e Assentos do Estadio Maracanã com Garrafas PET, ambos focados na reciclagem.
Não foi por acaso que a companhia escolheu Santos, presidente da Associação de Catadores do Jardim Gramacho, o Rio de Janeiro. Ele é um cidadão engajado e se tornou estrela internacional depois de protagonizar Lixo Extraordinário, que concorreu ao Oscar de melhor documentário em 2011 e que tem como tema o trabalho do artista plástico Vik Muniz sobre os catadores do maior aterro sanitário do mundo. Estar atento a pessoas como Tião Santos faz parte desta conexão com esse novo mundo.
Desafios do novo approach
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Dicas para os profissionais
enfrentarem os novos desafios |
· Identificar os sentimentos e os valores que são mais importantes e significativos para seu público-alvo, especificamente, e para a sociedade, de forma geral.
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· Adaptar estratégias, produtos e serviços a esses sentimentos e valores.
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· Gerar nos colaboradores (marketing interno) a consciência de que valores e sentimentos precisam ser atendidos e que isto constitui fator crítico de sucesso para a organização.
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· Conciliar o cumprimento dos desafios acima com a manutenção e aumento da lucratividade e da rentabilidade.
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· Estar sempre preocupado com as mudanças e a evolução da sociedade e do comportamento do consumidor.
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· Ter sempre em mente que as empresas que primeiro e melhor detectam tais mudanças e sentimentos tem mais probabilidade de sair na frente e se estabelecer como referência diante dos clientes e da sociedade.
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