quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O futuro das mídias

O QUE ESPERAR DE 2012 - meio&mensagem - 9 jan 2012. Jornais



Por Ricardo Gandour


Brincando com o título do famoso filme de Joel Schumacher: 2012 será o primeiro ano do resto de nossas mídias. O que acontecerá? Conosco, como profissionais? Com nossos veículos, como meios e plataformas de difusão? Estamos vivendo um fascinante momento. A oferta de conteúdos e os hábitos de consumir informação estão em vigorosa transição. É o tão falado olho do furacão: a história se escreve diante de nossos olhos. E aquelas perguntas dominam rodas, reuniões, palestras ... E artigos.

            Primeiro, um olhar em perspectiva histórica. No imperdível livro Uma História Social da Mídia (Jorge Zahar Editor), Peter Burke e Asa Briggs mostram, em brilhante narrativa de tese de doutorado da inglesa Cambridge University, como cada nova mídia que surgiu impactou as existentes, que se chacoalharam, se renovaram e seguiram em frente, convivendo com as novidades. Na primeira metade do século 20 as ferrovias norte-americanas tinham o poder de “carrier” hoje exibido pelas teles. Transportavam cartas, telegramas e periódicos, conectando milhões de pessoas. Na década de 50, o Times inglês anunciou o fim do rádio em no máximo cinco anos, diante da novidade televisiva. A TV, décadas depois, ameaçou de morte o cinema, que se reinventou como diversão e negócio, e prosseguiu. Será que os fenômenos descritos pela dupla inglesa irão se repetir, nesses tempos já quase pós-internet? O livro, editado em 2004, não chega a arriscar.

            Um segundo aspecto a abordar é o ciclo de implantação de uma nova mídia. No início, o meio se impõe naturalmente, pela novidade. Quando o CD apareceu, o que se gravasse na minibolacha, atrairia. Clássicos de domínio público, por exemplo. Implantada e consolidada a nova plataforma, sobrevém o que ela carrega – o conteúdo e os complementos costumeiramente afeitos a essa palavra: qualidade e credibilidade.

“O que acontecerá conosco como profissionais? E com nossos veículos, como meios e plataformas de difusão? Estamos vivendo um fascinante momento. A oferta de conteúdos e os hábitos de consumir informação estão em vigorosa transição.”

            Vivemos hoje um ciclo particularmente longo. Novidades e aprimoramentos se sucedem. Há menos de dois anos, ainda tentando consolidar um modelo de operação na web, nem falávamos em tablets. Como nos posicionar diante dessa frenética mudança e que, aparentemente, ainda não esboça se atingirá um patamar estável, se sequer sabemos se este é mais um clico ou se o paradigma daqui para frente é o da constante e infindável mudança?

            Penso que não há uma resposta a essa questão, mas sim uma atitude diante dela, um modo de encaminhar as coisas. Arrisco tentar resumir essa postura em alguns pontos, relacionados e complementares entre si:

1)            Oferecer ao nosso consumidor de informação a melhor experiência em cada plataforma. Não tentemos de fazer uma mídia imitar ou emular outra. Quando fizemos o redesenho do estadão no papel, intensos debates nos convenceram que deveríamos oferecer a melhor experiência-papel: um jornal organizado, bem desenhado e escrito com profundidade. Para quem gosta de ler

A experiência oferecida pelo papel vai além da simples impressão com tinta. Ela reside no fato de a informação estar plenamente fixada, sem nenhuma possibilidade de update instantâneo. A informação fixa permite e estimula algo que anda escasso nos dias atuais: o tempo de reflexão. É preciso um tempo para pensar no que se leu, antes do próximo update ou comentário. Só a reflexão sobre o que se leu gera ideias – concordantes ou divergentes, mas ideias!

Essa experiência da informação “fixada” foi resgatada no mundo digital pelos tablets que, ainda não estáveis, flertam com navegadores e instantaneidades. Pesquisas mostram que parte significativa dos downloads de jornais e revistas em tablets são os da chamada “versão impressa”: as pessoas querem o produto editado e com o qual têm familiaridade. Pode ser um hábito transitório, mas não deixa de ser notável. A edição é um valor que se agrega à informação pura e simples. Edição reflete as escolhas que alguém fez, alguém em quem a gente confia.

2)         Conhecer profundamente as novas possibilidades. Estudá-las e vive-las até atingir a intimidade que se tem com as mídias existentes. Só assim se permitirá oferecer a experiência plena, também nos novos meios. Engajamento e consideração do outro, do lado de lá, da audiência, são imperativos. Misturar-se, mas não confundir-se.

3)         Lembrar-se de que, do lado de lá, tem um ser humano, com seu cinco sentidos. Ora ele quer apenas ler, ora ouvir, às vezes somente ver e relaxar. Contemple-o com a informação adequada, no meio conveniente, a cada momento do dia ou da noite, e com a melhor experiência possível! A consideração da dimensão humana, no desenvolvimento de software e no design, é um dos grandes legados de Steve Jobs. A obsessão digital de Jobs incluía emular o analógico – a vida real. O sonho de um iPad é ser tão fino quanto uma folha de papel.

4)         Ao vivenciar plenamente cada mídia, não “entrega-las” à sua sorte e passivamente ao futuro, mas conduzi-las fortemente no presente. Podemos, ao “seguir uma tendência”, também interferir no ciclo natural de uma mídia. Devemos, sim, extrair o máximo de sua potencialidade, maximizando a experiência de nossos leitores, ouvintes, seguidores, adicionados e curtidores.

            Dessa forma, estaremos cumprindo a missão que, penso, deve pautar a atual geração de editores: trabalhar para perpetuar experiências, imaginando que todas as mídias chegam, convivem e são eternas. Inovando em todas elas. E o futuro que venha!

Ricardo Gandour é diretor de conteúdo do Grupo Estado

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