Por Ronaldo Lemos
Em 2011, um estudante austríaco chamado Max Schrems processou o Facebook demandando uma cópia de todos os dados guardados sobre ele no site. Obteve um documento de 1,2 mil páginas. Detalhe: Max tem 24 anos. Quantas páginas teria o documento quando chegasse aos 40?
A história ilustra um fato importante: as mídia sociais superaram a escala humana. A quantidade de dados gerados na rede hoje, com ou sem o nosso conhecimento, faz com que a análise e tomada de decisão em marketing seja cada vez mais rápida, precisa e automatizada. Para isso, quanto mais informação melhor. Vivemos em um contexto em que a regra não é mais “o consumidor avalia o produto”, mas sim “o produto avalia o consumidor”, ou melhor, “o produto avalia o consumidor avaliando o produto”.
Vale reler o Manifesto Cluetrains, essencial para quem pensa o marketing digital, escrito em 1999 por Doc Searls, David Weinberg e outros. O manifesto é um libelo consumerista. Ele abre a primeira de suas 95 teses afirmando que “markets are conversations”. Faz lembrar que a mesma tecnologia usada no lado da oferta pode ser também inovadora na ponta do consumidor. Se de um lado há CRMs, por que não de outro explorar o que pode ser chamado de VRM (Vendor Relationship Management)?
Dois exemplos ilustram as perspectivas. O primeiro é o Klout.com. Ele criou uma fórmula de análise de popularidade na rede. Quem se inscreve pelo Twitter ou Facebook fornece dados pessoais ao site e recebe uma nota de 0 a 100, atribuída a sua capacidade de influência (Lady Gaga tem 92 pontos, Dilma Roussef, 65). Como resultado, algumas festas em Nova York passaram a convidar apenas pessoas com score acima 40. Muitos usuários ficam ansiosos com a própria nota e passam a querer aumentá-la. É isso exatamente o que deseja o Klout: influenciar o comportamento do usuário de acordo com os critérios de “popularidade” inventados por ele (a fórmula de cálculo não é sequer divulgada). É um caso em que o produto analisa o cliente, transformando a própria análise no seu apelo. Nada mais CRM.
“Uma vez que o consumidor tenha acesso prático a informações relevantes, aumentam as chances de impacto construtivo ou transformador. Isso abre o caminho para tornar obsoleta a própria ideia de ‘consumidor’, substituída pela ideia de um ‘consumador’”,
No espectro oposto está o Goodguide.com. Trata-se de um site e aplicativo para celular que analisa mais de 140 mil produtos, dando notas em categorias como saúde, meio ambiente e práticas sociais. Nessa última categoria incluem-se critérios como governança corporativa, condições de trabalho e outros. Um inofensivo pote de creme Nivea recebeu nota 6 em saúde (por conter um ingrediente que pode gerar efeitos colaterais), 7 em meio ambiente e 5,4 em práticas sociais. Saldo geral 6,1 de um máximo de 10.
Pode-se discordar da avaliação, mas o objetivo é colocar o fornecedor em perspectiva, incentivando a melhoria das suas práticas e do próprio produto. No caso do Goodguide, os consumidores avaliam o produto e não o contrário. É um exemplo de VRM.
Reforçar o consumidor nas mídias sociais é um caminho com enormes possibilidades e pouco explorado. Quando uma boa ideia surge nesse campo, gera uma corrida. É só pensar nos sites de compra coletiva ou na onda de plataformas de incentivo a projetos colaborativos.
Outra discussão importante diz respeito à privacidade e os limites de classificação dos perfis. Quais informações são eticamente aceitáveis de ser consideradas para fins de marketing digital? (Raça? Orientação sexual?) Considerando que a tomada de decisões é automatizada, o desafio é traduzir no próprio software conceitos éticos, valendo-se de ferramentas como paridade estatística, group blindness e outras. Afinal, para cada tipo de microclassificação surgem possibilidades de microdiscriminação.
Em geral, há um longo caminho para que um novo item de informação seja incorporado a um produto. Nas mídias sociais, novas camadas de informação sobre o consumo surgem a todo o momento, ainda que de forma descentralizada, sem passar por processos consensuais ou regulatórios. Um dos desafios é agregar e organizar essa informação. Com a chegada da “internet das coisas”, surge no horizonte a possibilidade de um “consumo-aumentado”, em paralelo à ideia de “realidade aumentada”.
Uma vez que o consumidor tenha acesso prático a informações relevantes, aumentam as chances de impacto construtivo ou transformador. Isso abre o caminho para tornar obsoleta a própria ideia de “consumidor”, substituída pela ideia de um “consumador”, ciente do impacto social das suas decisões de consumo. Se mercados são conversas, ampliar a voz do consumidor nas mídias sociais é um dos assuntos para 2012.
Ronaldo Lemos é professor visitante na Universidade de Princeton (EUA), escreve e apresenta o programa ModMTV, sobre tecnologia e tendências
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