Valor e Risco são irmãos siameses, tal e qual média e desvio-padrão
Por Marco Nutini de Administradores
O propósito de qualquer organização é criar valor para suas
partes interessadas. A expectativa de valor a ser criado no futuro é afetada
por incertezas de várias origens, tornando inviável falar em projeção de valor
sem também mencionar a faixa de variação esperada dessa projeção. Risco é esse
range: o efeito da incerteza nos objetivos (de criação de valor) de uma
organização, conforme a definição da ISO 31.000 e do COSO, os padrões de Gestão
de Risco mais empregados no Brasil e no mundo.
Valor e Risco são irmãos siameses, tal e qual média e
desvio-padrão. A consequência disso é óbvia: toda e qualquer decisão tomada
pela organização deveria provocar uma reavaliação do valor a ser criado e do
risco a ele atrelado. Se levarmos as premissas do Modelo de Excelência da
Gestão (MEG) da FNQ em consideração, as alterações de valor e risco deveriam
ser comunicadas às partes interessadas.
Gestão de Risco é o processo empregado para assegurar que
tudo isso aconteça de forma estruturada, e há muitos anos as organizações
contam com as diretrizes da ISO 31.000 e do COSO Framework para implantar esse
processo. Aliás, praticamente todas as grandes empresas de capital aberto no
mundo informam em seus relatórios públicos que têm Gestão de Risco aderente a
um desses padrões ou a um de seus diversos derivados setoriais.
Até aqui, está fácil, certo? O problema é que, crise após
crise, incidente grave após incidente grave, a confiança das partes
interessadas no processo de Gestão de Risco esvaneceu-se. Na minha modesta
opinião, essa descrença pode acabar afetando o MEG.
Pelo menos 30% do conteúdo do MEG são pura Gestão de Risco.
É só analisar os Critérios de Excelência:
O principal obstáculo à eficácia da Gestão de Risco
convencional é que tendemos a tratá-la como uma entidade patrulheira ou
fiscalizadora, assim como acontecia com a Qualidade antes dos anos 80. Essa
constatação é que motivou vários autores (vide comentários sobre bibliografia,
ao final do artigo) a empregar o termo Inteligência de Risco, em contraponto ao
já trivializado Gestão de Risco, significando a incorporação da análise de
risco em todas as decisões e em todas as projeções de valor da organização.
É fácil de falar e difícil de fazer: o desenvolvimento de
uma RIO (Risk-Intelligent Organization) não é trivial, pois o termo “todas”
usado acima tem o mesmo escopo empregado no MEG, ou seja, a Inteligência
de Risco abrange todas as partes interessadas, atividades, produtos e processos
na cadeia de valor estendida.
A Gestão de Risco em uma RIO possui características
marcantes:
- É orientada para o futuro: o sistema é sensível a mudanças
de cenário e não confia somente em indicadores históricos, evitando a síndrome
do “isso nunca aconteceu”.
- Risco é aceito como uma coisa necessária e inevitável para
que a criação de valor diferenciado seja possível. A organização é antifrágil,
pois ela aprende e melhora com os próprios erros, os quais são cometidos
suficientemente cedo. Também aprende, e muito, com os erros dos outros.
- A análise de risco é realista. Não há receio ou vergonha
de se assumir que há incerteza em uma decisão, e a incerteza é quantificada
explicitamente na forma de risco. Risco escondido é considerado o pior tipo de
risco na cultura da RIO.
- A análise de risco está integrada e incorporada aos processos
decisórios e de Change Management.
- A Gestão de Risco é ágil e adaptativa (nimble). Os
especialistas em risco não são vistos como “dr. No”, mas sim como pessoas que
ajudam a tomar decisões e a projetar valor.
- É holística: abrange todos os tipos de valor e de risco,
mantendo uma linguagem comum. A Gestão de Risco não acontece somente
trimestralmente em escritórios que discutem finanças corporativas; acontece
continuamente, em todas as áreas da organização.
- Promove accountability: parte da premissa de que a
responsabilidade por risco é de cada gestor e de que haverá consequências,
positivas ou negativas, no seu reconhecimento.
É possível e desejável que o Quociente de Inteligência de
Risco (o grau em que uma determinada organização é uma RIO) seja medido, seja
por um especialista ou por meio de autoavaliação. As agências de risco já
inseriram em seu modus operandi esse tipo de avaliação, com o fim de enriquecer
suas análises de risco, mas ainda não há um método universal aceito para medir
o QIR de uma organização.
A boa notícia é que o QIR pode ser aumentado em cada etapa
do processo clássico de Gestão de Risco, por meio do aprimoramento cultural e
conceitual e pela inserção de ferramentas, tais como as exemplificadas na
tabela a seguir:
Afirmei, no início deste artigo, que a confiança na Gestão
de Risco havia deteriorado. Isso não significa que as partes interessadas a
achem menos relevante – muito pelo contrário, creio que a tendência é aumentar
o escrutínio sobre os tipos e a magnitude dos riscos aos quais o valor de uma
organização está exposto.
Uma potencial consequência disso é que as organizações
poderão ficar medrosas e supercautelosas (risk averse) além da conta, o que não
seria bom, uma vez que ninguém cresce e prospera sem correr risco ou errar
saudavelmente. É aí que a Inteligência de Risco revelará todo seu potencial:
mostrar que a organização conhece muito bem seus riscos e que seu sistema de
gestão lida com eles naturalmente.
Finalmente, uma RIO desenvolve duas competências sagradas
das organizações que buscam a Excelência: a capacidade de integrar e a
capacidade de aprender. As partes interessadas agradecerão e ficarão mais –
bem, digamos... – interessadas na organização.
Referências
Este artigo, embora contenha vários conceitos e acrônimos
que eu desenvolvi, é fortemente influenciado, como não poderia deixar de sê-lo,
pela literatura internacional sobre Risco. Em especial, menciono as seguintes
influências relevantes e aproveito para recomendar a leitura:
Financial Darwinism – Create Value Or Self-Destruct in a
World of Risk (Leo M. Tilman, 2009, publicado nos EUA pela John Wiley):
influenciou a forma de definir Inteligência de Risco, em especial em como ela
ajuda a buscar maior valor futuro para a organização. Esse livro explica
claramente a crise financeira em que o mundo desenvolvido continua encalacrado,
bem como detalha sistemáticas para avaliar o valor ajustado a risco de uma
organização.
Antifragile - Things that Gain from Disorder (Nassim N.
Taleb, 2012, publicado nos EUA pela Random House): criou o conceito de “sistema
antifrágil”, que ajuda a explicar os erros passados que levaram a várias crises
sistêmicas. Explora como o medo de errar nos torna mais frágeis.
Surviving and Thriving in Uncertainty – Creating the Risk
Intelligent Enterprise (Frederick Funston e Stephen Wagner, 2010, publicado nos
EUA pela John Wiley): define as principais falhas da Gestão de Risco
convencional e detalha várias ferramentas para aumentar o QIR da organização. O
termo “dr. No” foi emprestado desse livro.
Risk Intelligence – How to Live with Uncertainty (Dylan
Evans, 2012, publicado nos EUA pela Free Press): detalha como medir e
incrementar o QIR de um indivíduo com base em testes e treinamento.